05 mayo, 2006

Indícios de soberania na Bolívia

Não posso deixar de destacar esse assunto que estampa os principais jornais do país. A grande e a pequena burguesia corporativa se unem frente a um indício de soberania da nossa vizinha, a Bolívia. Para a classe média deslumbrada, que se levanta contra a "sacanagem" do presidente Evo Morales, o problema nem está tanto no ato de soberania boliviana, mas no fato de que o país imperialista explorador é o nosso, que, por meio da estatal Petrobrás, saqueia gás natural daquele povo miserável para sustentar o Brasil.
Como escreveu sarcasticamente Juremir Machado, em um ótimo artigo sobre o fato, "cada país tem o imperialismo que merece, o da Bolívia é o brasileiro". Para se ter uma idéia da exploração, o Brasil juntamente com outras três multinacionais européias ( Repsol, British Gás e Total), absorve 82% dessa riqueza importante que é o gás natural. Sobra para os bolivianos, os imensos 18% do que é seu. E a direita brasileira, assim como a neo-esquerda lulista, acham um absurdo que o indígena Evo Morales tenha cometido tamanha desfaçatez. Onde já se viu, um presidente de uma "republiqueta" da "América Latrina", se levantar contra multinacionais? Dar ao povo o que é do povo? Convenhamos, é uma grande deselegância para com o imperialismo.
O Brasil investiu, desde 1994, US$ 1,5 bilhão nas ações da Petrobrás não prevendo que um dia aquela "republiqueta de indíos burros" pudesse se dar um pingo de dignidade. E quem imaginaria? Nem o mais otimista dos utópicos, nem o mais pessimista dos liberais. O fato é que foi um indígena que retomou a idéia de soberania do país, onde a miséria assola 70% de sua população. Parece que terão de ressucitar os grandes cowboys ianques para dar um jeito nessa indiada.
E para tranqüilizar os inquilinos, Morales salientou que as empresas terão 180 dias para se adaptar às novas regras e suas devidas indenizações. O fornecimento de gás natural, que abastece cerca de 50% do Brasil, também continuará normal. De acordo com o projeto haverá uma inversão passando o governo boliviano a controlar maior parte da produção de gás e petróleo sendo que, as empresas exploradoras, terão de pagar 82% em royalties para os cofres da Yacimientos Petroliferos Fiscales Bolivianos (YPFB). O governo brasileiro tem esperanças que nesse tempo de adaptação Morales ceda às pressões políticas voltando atrás e firmando novos contratos regulatórios, o que não deverá acontecer.
Então qual o problema afinal? Vamos parar de alimentar esse terrorismo imposto pelas grandes corporações brasileiras e multinacionais e vamos olhar lá na Bolívia, o carnaval fora de época que o povo está fazendo nas ruas com esse indício de dignidade. E atenção deslumbrados governistas pretensos líderes do terceiro mundo: Respeitem esse ato de soberania, pois caso contrário, mais tarde – se tivermos um presidente con cojones - , também usarão isso contra nós.


Diego Rosinha,
jornalista, carta parcialmente publicada no Jornal do Comércio, dia 03 de maio. Contato: diego.rosinha@gmail.com
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