11 diciembre, 2009

Lucas, seus solilóquios.

Tchê, tá bom que os teus irmãos tenham me enchido até nãopodermais, mas agora que eu tava te esperando com tanta vontade de sair pra caminhar, tu chega feito uma sopa e com essa cara entre chato e guarda-chuva virado que já vi tantas vezes. Assim não é possível se entender, tu te dá conta. Que tipo de passeio vai ser este se basta eu te olhar pra saber que contigo vou me ensopar a alma, que vai me entrar água pelo pescoço e que os cafés vão cheirar a umidade, e quase certeza que vai ter uma mosca no copo de vinho?
Parece que te encontrar não serviria pra nada, e isso que me preparei tão devagar, primeiro esquecendo teus irmãos, que como sempre fazem o possível pra me deixar farto, pra ir tirando a vontade de que tu venha me trazer um pouco de ar fresco, um instante de esquinas ensolaradas e parques com guris e piões. Um a um, sem contemplações, fui ignorando eles pra que não pudessem me tirar pra romana como é o estilo deles, abusar do telefone, das cartas urgentes, dessa maneira que tem de aparecer às oito da manhã e ficar plantado toda a colheita. Nunca fui grosseiro com eles, até me comedi a tratar-lhes com gentileza, simplesmente fingindo que eu não me dava conta das suas pressões, da extorsão permanente que me infligem de todos os ângulos, como se tivessem inveja de ti, quisessem te diminuir por adiantado pra tirar o desejo de te ver chegar, de sair contigo. Já sabemos, a família, mas agora acontece que em vez de estar ao meu lado contra eles, tu também te junta sem me dar tempo pra nada, nem sequer pra me resignar e me adaptar, tu aparece assim, vertendo água, uma água cinza de tormenta e de frio, uma negação esmagadora do que eu tanto havia esperado enquanto tirava pouco a pouco teus irmãos de cima e tratava de guardar forças e alegria, de ter os bolsos cheios de moedas, de planejar itinerários, batatas fritas nesse restaurante sob as árvores onde é tão bom almoçar entre pássaros e gurias e o velho Clemente que recomenda o melhor provolone e às vezes toca o acordeom e canta.
Desculpa se eu te digo que tu é um nojo, agora tenho que me convencer de que isso é de família, que tu não é diferente ainda que sempre esperei que tu fosse a exceção, esse momento em que toda a angústia se detém para que entre a leveza, a espuma da conversa e a volta das esquinas; tu já vê, resulta ainda pior, tu aparece como o contrário da minha esperança, cinicamente bate na janela e fica aí esperando que eu ponha galochas, que pegue a gabardina e o guarda-chuva. Tu é cúmplice dos outros, eu que tantas vezes achei que fosse diferente e te quis por isso, já é a terceira ou quarta vez que tu me faz a mesma coisa, de que vai me servir que cada tanto tu responda o meu desejo se no final é isto, te ver aí com o cabelo nos olhos, os dedos jorrando uma água gris, me olhando sem falar. Quase melhor os teus irmãos, finalmente, pelo menos lutar contra eles me faz passar o tempo, tudo vai melhor quando se defende a liberdade e a esperança; mas tu, tu não me dá mais que este vazio de ficar em casa, de saber que tudo exala hostilidade, que a noite vai vir como um trem atrasado numa plataforma cheia de vento, que só vai chegar depois de muitos mates, de muitos noticiários, com tua irmã segunda-feira esperando atrás da porta a hora em que o despertador vai me por de novo cara a cara com ela que é o pior, junto contigo, mas tu já de novo tão longe dela, atrás da terça e da quarta e etcétera.

Don Julio Cortázar,

tradução minha.

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