30 agosto, 2009

Entardecer


Não é por estilo que narro o horizonte sangrado do fim da tarde - céu colorido de infinitos tons laranjas, vermelhos, ocres. A brisa fresca brincando com as flores da nova estação, as luzes dos carros se acendendo como estrelas móveis, o povo na rua - parques, praças, ruas inundadas de pessoas inundadas de vida. O Santana verde, imenso de pedras, eterno tótem da minha cidade, cerro moldado pelo firmamento infinito adornado pela circularmente infinita lua que do espaço tem iluminado as noites de todos os povos em todas as épocas. Crepúsculo porto-alegrense de quase-setembro, pintura que meus olhos não ignoram.

24 agosto, 2009

Sentido

Vem chegando lenta uma vontade arcaica de querer um só corpo, de esquecer passados, de moldar quimeras e baixar velas. Abdico hoje de minhas tempestades, ventanias, diásporas... já não sou mar revolto nem avião a jato - me vejo laguna densa, bronzeada pelo sol das cinco e meia - e troco minha pressa supersônica pelo suave voo de um zepelim. Mais que sedento colibri, sou condor sereno sobre a montanha.
Com os meus dedos vou desenhar teus traços bem no fundo da minha alma.

21 agosto, 2009

Intervalo

Entre o instante
do riso franco
da despreocupação
da alegria pura
do abraço
do bom sono
dos bons sonhos
do sol de inverno
e da brisa de verão

entre isso
que é tudo
há nada?

20 agosto, 2009

Chatô

André Malraux alimentava a ilusão de escrever a biografia do Chiquinho Matarazzo, mas eu consegui demovê-lo dessa rematada besteira. Acho que, como vingança, tentou escrever um livro sobre a minha vida, mas acabou desistindo. Depois foi a vez do padre Dutra, que cercava parentes meus pelas esquinas, em busca de informações para compor um romance sobre a minha vida. Quem também andou bisbilhotando as minhas ideias, com planos de imortalizar-me em papel, foi a princesa Bibescu, da Romênia, editora e escritora. Os três fracassaram, mas a todos eu havia feito uma modesta exigência: a obra teria que começar descrevendo a cena em que eu e minha filha Teresa aparecíamos nus, sentados na foz do rio Coruripe, comendo bispos portugueses, tal como fizeram meus ancestrais Caetés, quatro séculos atrás. O delirante piquenique, que já povoou alguns delírios meus, seria a forma ideal de divulgar a origem do meu sangue ameríndio na Europa.
Assis Chateaubriand

01 agosto, 2009

Yo me alimento con una quimera

No me importaría hoy
Qué tipo de abrazo
Si abrazo tuyo hubiera

Abdico de la geografía
Ignoro kilómetros
Y con líneas de frontera
Hago sencillo moño

Soy cumbre de aquel cerro
Y hace frío como me gusta
pero la alegría ¿dónde puse?

Hoy no las tengo
Ni a ella
ni a la alegría.

[inverno, 2009]

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