23 septiembre, 2010

Infierno por infierno, prefiero el de la frontera.

Lá onde o rio Quaraí abraça o Uruguay cortando o verde da planura existe um povo. Dois rios, três cidades, três países. Um povo. É no paralelo 30 (familiar, porto-alegrenses?) onde se encontram a Argentina, o Rio Grande e a República Oriental, cada qual representado por sua pequena cidade. A que primeiro me recebeu foi a Barra do Quaraí, o lado rio-grandense dessa tripla moeda fronteiriça. O município é ainda debutante, desmembrado de Uruguaiana em 1995, e concentra nas 15 quadras de sua sede parte da população de uns 3500 habitantes. Não há engarrafamentos.
Minha jornada no coração do Pampa começara, na primeira hora da manhã, em Uruguaiana e na vizinha Paso de los Libres, onde o câmbio monetário me mostrou que a vida é boa. Eu e meus dois valorosos companheiros (companheiro e companheira) de viagem fomos sábios ao prever a falta de opções comerciais da Tríplice Fronteira, carregando precavidamente nossas mochilas com vinho mendocino comprado a 5 pila. (Nota: em Porto Alegre o único vinho com garrafa de vidro por esse preço é o Chalise, cuja única qualidade é causar graça). Munidos da bebida que nos ajudaria a esquecer nossa sede, do mate que nos aqueceria a goela e as mãos, do tabaco que nos disfarçaria os suspiros e da boa erva que nos faria esquecer todo o resto, saímos sacolejantes em direção ao sul. O ônibus era velho; o vinho, bom; a paisagem, serena. Uma hora e meia de campo e chega-se à Barra, onde nos recebe o mais medonho dos monumentos, dedicado ao Peão do Saladeiro (ou charqueada), tipo humano formador da economia regional. O frio de 5 graus se abraçava ao vento e à garoa, e juntos bailavam açoitando o que ainda podíamos sentir dos nossos corpos. Até para um afeito à estação invernal como eu a tarde se mostrava impiedosa. Como diria Don Mario Benedetti: fue preciso meterse en un boliche. O bolicho em questão era um restaurante digamos, modesto, uma das milhares de opções gastronômicas que encontramos. Nossa escolha pelo lugar, vizinho ao monumento do Peão (que, aliás, é misteriosamente vermelho), deveu-se provavelmente à decoração acolhedora do ambiente. O prato do dia, possivelmente de todos os dias do ano, era o assado. Bom churrasco fronteiriço que nos devolveu a alegria e a calma perdidas após tanto jejum.
Depois do almoço era hora de fazer turismo. Fortes, aguerridos e bravos saímos cortando o frio e a chuva, e não há bairro que não tenha sido visto nem ponto turístico que não tenha sido admirado. Percorrido todo o povo, o que tardou aproxidamente 19 minutos, só havia uma coisa a ser feita: fumar. E é nesse decisivo momento que meu amigo Peixuxa me relata entre envergonhado e triste: - perdi a seda. Embora desapontados partimos rumo ao armazém mais próximo (leia-se o único aberto) esperançosos de que o velho costume da Fronteira Oeste de fumar tabaco de rolo nos facilitasse a tarefa. É no balcão do bolicho que somos apresentados aos mais bagaceiros cigarros já vistos pelo homem (e pela mulher), confeccionados provavelmente por eunucos norte-coreanos (é a cousa mais misteriosa que me ocorre). O regozijo só não foi maior do que aquele que sentimos ao ver o papel de seda que nos alcançava o bolicheiro: sentimos saudade da velha Rei do Oriente, única marca à venda na Vila Planetário, muito apropriada para o Origami. E apenas para isso. Apesar dos percalços do caminho, enfim, fumamos. A fumaça aquecia-nos os pulmões e a chuva seguia seu fluxo constante. Decidimos, serenos, que era hora de cruzar a línea. Embarcamos no primeiro ônibus disponível, mergulhados no portunhol do povo que nos acompanhava e decepcionados com as janelas imundas que nos sonegavam a vista esplêndida do rio Quaraí, que cruzávamos.
Logo ali estava Bella Unión, cidade mais setentrional do Uruguay e lar de 12000 almas norteñas. Depois do desastre arquitetônico da irmã rio-grandense (que nem por isso deixou de agradar-me) chegar à vizinha foi de certa forma um consolo para os olhos. Bella Unión encanta com sua simplicidade de casas antigas e pracinha central, muito ao estilo do Paisito. Nosso objetivo maior era cruzar o imponente rio Uruguay para chegar ao terceiro ponto daquela fronteira, a argentina Monte Caseros. Nosso intento frustrou-se, no entanto, pois dada a ausência de uma ponte entre as duas cidades, seria necessário valer-nos do transporte fluvial, mais exigente em relação ao controle migratório. O leitor se perguntará: - mas não é só mostrar a carteira de identidade e tá feito o carreto?! Pois sim, bastaria o documento de identificação para alcançarmos pela segunda vez no dia terras argentinas. Nosso problema, porém, foi o fato de que este que lhes escreve havia deixado sua identificação em Porto Alegre. Iludidos pela facilidade em cruzar a fronteira de Uruguaiana-Libres, seguíramos sem receio (e sem dar entrada no Uruguay) rumo ao sul. E foi ali que descobrimos que a história não seria assim tão simples. Era preciso, portanto, tomar uma decisão. Anoitecia e nossos corpos ansiavam por um leito e por livrar-se das pesadas mochilas suportadas ao longo do dia. Podíamos então pernoitar em Bella Unión, com a esperança de no outro conseguir algum tipo de embarcação informal. A outra opção era seguir ainda mais ao sul até a próxima ponte, na cidade de Salto, a 160 Km dali. Lá tem ponte, pensamos, a atravessaremos caminhando, triunfantes e ilegais, como o fizéramos em Uruguaiana. Compramos as passagens e à espera do ônibus nos envolvemos na verde alegria de uma ponta guardada com zelo. E foi assim que o acaso nos levou, cansados e sonolentos, à segunda maior cidade do Uruguay.
Salto foi surpresa e encanto imediatos. Nós, que dessa cidade só conhecíamos o nome, nem a havíamos incluído no itinerário. Aproveitando o presente do acaso, logo havíamos nos instalado no Hotel Argentina (en la calle Uruguay) saímos a degustar a cidade. Nada de muita grandeza, como é costume no país. Suficiente tranquilidade e infinitas casas centenárias de um ou dois pisos. E também a costa do Uruguay (com o porto antigo e repleta de áreas verdes), em frente à argentina Concordia, na outra margem. Isso sem falar que em nossa primeira hora no lugar topamos com o Festival Internacional de Acordeones, grátis e na joia neoclássica que é o teatro principal da cidade. Nossa estadia em Salto foi permeada pela contemplação da vizinha do outro lado, pelos desfrute das ruas locais e pelas tentativas frustradas de chegar à Argentina. A ponte saltenha é bem melhor vigiada que a uruguaianense. E melhor, neste caso, era para nós pior. Depois de três dias, e após tentativas mil de chegar ao outro país, terminamos recorrendo a indicados pescadores matreiros, habitantes de ranchos da margem do rio, afastados da cidade e praticantes eventuais do chibo (contrabando, jovens). Os rudes anfitriões nos receberam magistralmente em seus ranchos de chão batido e até cozinharam para nós. Nos prometaram que apesar do vento forte poderiam fazer a travessia para a outra banda assim que o rio se acalmasse. Mateamos, esperamos, comemos e nos defumamos na cozinha (cozinha?) que era o único sítio com temperatura habitável por lá (gracias ao foguito de chão). Depois disso, mais espera, até que os pescadores se emborracharam o suficiente para tombarem na cama do rancho, onde antes pisoteavam seus cuscos de patas barrentas. Desistimos então daquela travessia e decidimos voltar à fronteira permeável de Libres. E é por isso que nossos passos regressaram a la Triple Frontera.
O percurso entre Salto e Bella Unión foi uma vez mais demorado. Os 160 km pareciam alongar-se a cada sobe-desce de passageiros. E foram muitos. A chegada, dessa vez, foi à noite, e nos acompanhava a dúvida sobre qual seria nosso lar naquela noite. Empezinados, tenteamos outra vez algum barco que nos levasse sem a obrigatoriadade dos documentos a Monte Caseros. Em vão. O jeito mesmo era voltar para Uruguaiana, e sabíamos que só no dia seguinte haveria ônibus. Saímos portanto em busca de uma acomodação modesta, apertando campainhas de pensões indicadas, que quando de fato existiam estavam já lotadas. Em uma dessas casas que alugavam quartos a forasteiros (sobretudo na época da colheita da cana, cultura importante no Departamento de Artigas, onde estávamos) fomos recebidos por um simpático jovem, cheio de uma malandragem fronteiriça recheada de gírias do português. Lá tampouco havia vagas. Seguimos em nossa vã tentativa de encontrar um leito, mas a única coisa que encontramos pela rua foi o próprio guri que nos recebera na pensão improvisada de sua avó. E é aí que a criatura, sem mais nem menos, nos oferece pouso em seu quarto. Receosos, fomos conferir a gratuita hospedagem. O cômodo era uma meia-água apartada da casa da família (a algumas quadras da praça central). As paredes eram rabiscadas sem muito critério, o que me recordou o ambiente de certos diretórios acadêmicos que conheço. Havia também um cartaz do festival Pilsen Rock que cumpria a função de porta para o banheiro, além de adesivos e recortes de bandas roqueiras espalhados pelo cômodo. O anfitrião logo nos acomodou na cama de casal (que era quase o único móvel que cabia na peça) e iniciou sua dissertação acerca de seus gostos musicais, entre eles, e com grande destaque, estava a banda Charlie Brown Jr, cujos cedês já rodavam no rádio, em volume ensurdecedor. Tentamos ser simpáticos com o generoso nativo e acho que até conseguimos. Ouvíamos com cínico prazer a voz do Chorão e a biografia do rapaz, que segundo relato próprio já vivera em Montevideo como exitoso vendedor de roupas de marca. A aventura na capital, nos disse, teve fim devido ao drámatico envolvimento que tivera com a pasta base, um desses restos de cocaína (como o paco ou o crack) que fazem a alegria e a ruína de certos jovens. Fomos convidados também a contemplar a parte interna de sua boca, escurecida pelo antigo hábito, além de sua peculiar coleção de sementes. A falta de afinidades foi compensada pela buena onda mútua, e a noite conjunta fez-se divertida, em grande parte devido aos encantos da erva amiga compartilhada pelo anfitrião. E na primeira hora da manhã, quando despertávamos para rumar à Barra e depois a Uruguaiana, o amigo acorda e nos diz: - no quieren fumarse uno antes de irse? Era ainda 7 da manhã e recusamos, cheios de juízo. O caminho à Libres ocorreu sem imprevistos e finalmente seguimos viagem rumo ao coração de la República Argentina.

20 septiembre, 2010

Himno Riograndense

Como el alba precursora
del faro de la divindad
fue el veinte de septiembre
el precursor de la libertad

Mostremos valor, constancia
en esta impía e injusta guerra
sirvan nuestras hazañas
de modelo a toda tierra

Mas no basta pa' ser libre
ser fuerte, aguerrido y bravo
pueblo que no tiene virtud
acaba por ser esclavo

02 septiembre, 2010

¡ah periodismo!...

...Agora que chego ao final me pergunto, meio temeroso: O Diretor não me dará uma bronca por esses meus apuros? Faz uma semana que me reclama, paternalmente, a crônica adiantada. Eu lhe digo que sim, e me escapo quando se descuida, porque senão me pega, me faz sentar, e terminar a famosa crônica adiantada. E o pior é que não posso negar que tem razão. A farei esta noite.
Porém, não. Faz duas noites que durmo sete minutos e meio e ah jornalismo!... No entanto, diga-se o que se diga, é lindo. Sobretudo, se tens um diretor indulgente, que o apresenta às visitas com estas eloquentes palavras: - O vagabundo do Arlt. Grande Escritor.

(Una excusa: El hombre del trombón, in Aguafuertes Porteñas, Roberto Arlt)
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