antes tudo do que nada

porque vida é movimento

é pranto, é gargalhada

é gozo e sofrimento

Tu te lembra de quando aprendeu a andar de bicicleta?

às vezes não tenho vontade nem sede nem nada
sabe uma flor enforcada? é assim que me sinto
ou nem sei o que digo, minto. só sei que o que resta
é essa falta de tudo e saber que pouca coisa presta
e por mais que eu tente, e sonhe que será diferente
muitas vezes creio que o que devo é abandonar o recinto.

Somos costureiras com salários de fome.

Nos acostumamos a comer animais podres e câncer.

Somos os funcionários demitidos em massa.

Somos filhos do lixo nuclear e do Napalm.

Nossa comida é transgênica, nossos biomas viram eucalipto.

Assistimos sentados à destruição de culturas e do próprio planeta.

Vivemos sob a sombra destes grandes psicopatas sociais que nos acompanham noite e dia:

as corporações.

Sinto que dessa vida só se leva o grito, o gozo e a pele sentida. Sinto que a essência dessa existência se resume a sentir, lembrar e seguir. Sinto que por mais que se tente, se inove e se invente sempre sempre sempre se está no primeiro passo. Sinto que há quase nada de presente, só saudade e planos. Sinto que a vida às vezes se faz ausente.

Pelo menos sinto.

Uma casa de 114 anos em Colônia do Sacramento.
Um apartamento no Centro de Porto Alegre.
O cheiro dos plátanos, o almoço à sombra.
Um grupo de índios de arrabalde quebrando a fachada de um banco em Buenos Aires.
A milonga, o candombe, o tango.
Uma judia de 20 anos tomando mate em Pocitos.
Na fruteira da calçada da 9 de Julio toca “Hablemos el mismo idioma”.
A Praça Montevideo, em Porto Alegre. A casa de Garibaldi, em Montevidéu.
O busto de Artigas, atrás do Mercado.
La escollera Sarandí, os pescadores e o Palácio Salvo ao longe.
Uma família falando portunhol.
10 pesos para calentar el agua, señor. Ou 1 pila.
O pampa infinito pela janela do ônibus e do avião.
Uma morotcha de 14 ou 15 anos e olhar, digamos, libidinoso. Em Rivera.
El Subte.